Páginas

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Poemas do descolamento

por Ana Chiara



(Iracema Revisitada, últimos capítulos)

Capítulo XXV

Martim,
olhos saciados, enjôo.
Quem ceou, ceifou,
partiu.
Na lagoa, debalde,
sapo canta seu canto.

A morena ,
nem tão virgem,
nem tão morena,
arrasta um monte
sua mágoa,
inda cá,
cantava no peito
o sabiá.


Capítulo XXVI

Mecejana :
desinência ana
(ação de fazer)
lugar do abandono.

Jandaia aos gritos:
nem pátria, nem amor.
Desventurosa.
Desatino, vida a dois.

Dali não passa,
goiamum sai de fasto.
Flor de maracujá
-no peito guarda-
toma banho na saudade.



Capítulo XXVIII

Interlúdio
fere espinho pixuna
ciúme na garganta.

Ele, lábio seco para o amor,
beijo morno e áspero.
Ela , sem alegria,
Sentença de morte, profecia,
Abati, árvore sombria.


 Capítulo XXIX

Dilata-se a ausência.
Ela morde o pó da tristeza,
seta cravada no chão.

Ele combate inimigos, invisíveis.
Cavaleiro da triste figura
canto guerreiro
no festim da vitória,
ela, no canto.

Enquanto, encanto!
Nos campos da Porangaba:
bebê sem pai,
sem pátrio poder,
a pátria  nasce.


Capítulo XXX

A indígena pare um Brasil
Filho da dor, vampiro d´alma.

Mãe gentil, viúva solitária,
pai e mãe, chefe de família,
cabeça, tronco e mamas,
tetas gordas de leite e mel,
golfadas azedas do filho na cara,
há três sóis caminha.

Morta para o pai, filha sem mãe,
A morena, a mísera esposa,
lábios suspirosos,
não despede a lembrança,
aferrada à fantasia,
presa ainda
na porcaria.

Gritos da jandaia, choro infantil,
Serve peitos aos cachorrinhos,
leite escasso, sangue fraco,
esguicha, poreja, alimenta
com fracas esperanças
toda a nação.

Descamba o sol.



Capítulo final reescrito:

Iracema descola,
abre asas, decola
-flor do campo, linda flor-
topless, volta do banho,
brilham gotas,
beijos do sol.

Emudecida nos lábios
amor é apenas palavra decolando
 (descolando)
com as jandaias para o anil.


Iracema, heroína século XXI,
no metrô, olha pra frente, canta um rap:
tudo passa sobre a face da terra, me’rmão...
fila anda,
    passa um fax,
               um   fiat lux!






1º de setembro de 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário