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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Arquivo morto (como enterrar uma década)

por Ana Chiara

Um brinco de Clarice
Um retrato de Caio Fernando
Minhas imagens
Quase todas
Quase toda
Minha biografia
Em flashes
Fotos
& fatos

Boa Samaritana
Madre Teresa
Mamãezinha
 Pai de todos
  Fura bolo
       Um mindinho
               Mentirinhas
                     cariocas

Pragmatismos
Arroubos
Roubos...
&
Setas

Caixa preta vazia
Buraco onde se esconde

Nome do amor
Em vão
Livro aberto
A Teus Pés
Lirismo emperrado
Frases de efeito
Sedução e
Baratas


Treinamento para gueixa
(branco sobre branco)
Boca mínima
Flor mínima
(cria asas na janela
do táxi).

Coração
         Mínimo
                          Migalhas

Esperas
Esferas
Estratosfera
Ela, uma fera...

Manifestos
Segredo a
Traduzir.
Dois nomes
sob camisa de seda bege
(perfeitamente escolhida para a personagem).
Broche de sangue vermelho
Singela jóia.

El primer nombre
Es el que le dieron sus padres
Ey el segundo el que le dio
La mala vida.


Pagar o preço
No analista
Ele lixa as unhas?
Se lixa?
Ouvidos moucos
Ouvidos tradutores
Velho impasse:
Get off?

Tropeços
Joelhos arranhados
Pés no podólogo
Coração neófito,
pedófilo, profissional,
Minha linda.


Miolo:
Descida aos infernos.

Caos, acalma-te!

Vida intransitável
Mordidas emocionais
Sentimentos natimortos.
Vicio
Dos laços de família.

10 anos escorreram
A mãe doente.
tiróide, glândula traiçoeira.

Verdades absolutas
Anacronismos

(fabulação: máquina de fabricar de gigantes)

Fio da meada
Nó de peito,
Nota dó.

Viroses
          escandinavas
Infecções
          portuguesas
Síncopes
           paulistanas.

Essa guerra?
dentro
      fora, baby.

Balas perdidas
Bazucas ultrapassadas
Fogo Amigo.
Incêndio
Vão

Canto de um cisne
Galo na madrugada
Animalzinho dopado
De que se defende?

Leões, brasões de família.
Teclados sem interrogações
Um toque, dois toques,
Coração,
A vida planejada gota a gota
Esgota.

(Enterro desculpas
culpas)

DESCENAR
Sem pianos.

Amigos virtuais
Inimigos públicos,
Vida privada
Na latrina.

UMA BALEIA
UM HIPOPÓTAMO
UMA TARTAGURA
olhos mínimos olham.
este mergulho
fundo
sem fundo.

Arrepio
uma coruja
decapitada.

Naftalina
Mordidas
Tapas
Mordidas
Tapas
Murro no nariz
Poesia brutal
Poemario.

Babas
Línguas, dentes,
Alvéolos
arrancados
num beijo- ferida.

Muco grudado
No intestino
Catarro grudado
No cérebro
Nada na Vagina
Limpa!

No centro de tudo
Reside o SOL
Indústria solar
Sagitário
Setas

Gavetas abertas
Coração aberto
Corpo deserto
Década passada
Sepultada
Bobagens zeradas
Mergulho a cauda
Na água.


O lixo da
Velha festa
Enterro
Ossos.

Fênix
Na cidade
Novos deuses na chuva
Nave sem tripulação,
Retorno a Terra.


 Ana chiara, 14/12/2010

Voz erber em off:

agora ela caminha de mãos dadas com o que resta dela mesma em dezembro depois de "não há regras" e depois de "tudo é regra: (retirada do fundo falso e cintilante de um arquivo de morto ela ainda respira)
ela sabe quem. e tudo está perdido. ela sabe que nem tudo se perdeu ou se perderá. ela caminha sobre a plataforma em direção ao trem, o vidro sujo não incomoda, a paisagem correndo por trás seria: "o último suspiro da bailarina sobre fundo negro ou: os quatro elementos da alegria”
ela está tão feliz que nem se lembra dos cigarros. ela está tão feliz que só pensa nas grandes ondas prateadas. um lugar vazio, aqui perto.

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o moço dos correios tocou faz uns dez minutos, acho que se perdeu no pátio (muitas portas, tipo: viagem aos Pirineus, ou: realismo sentencioso, ou, atenção: jardim de espelhos sem narciso. TALVEZ ele agora e para sempre uniformizado, adormecido na neve do seu lindo arquivo morto.
o astronauta russo entenderia. Jules Laforgue entenderia.

4 comentários:

  1. Repetindo o nosso querido Noll: Todos nós fomos golpeados nessa despedida.
    É doloroso e é lindo.
    Esta fênix escurece, mas retorna, lâmina nova, incansavelmente fascinante!

    Vamos aos novos 10 anos!

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  2. tudo isso um naco de tudo e um pouco do nada, ainda mais agora, que o redor está em pleno vazio

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  3. Nossa, muito bom.
    O melhor de ler um poema é se perder nas sensações, e sentir aquilo como se fosse a primeira e a última coisa.

    Até.

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  4. Finge que a década passada foi Art nouveau, belle époque, decadence avec élegance, e o que vem depois, mais, ainda, enfim a matança dos pombos? (mas adorei esse arquivo, vou pôr na caixa pra acondicionar).

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