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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Próspero (depois de Borges)

George Romney – The Tempest. Ato:1; Cena:1
por Marcelo Santos




Então restaram os livros...
E com os livros
que são feitiços,
ou mesmo casas,
construí meu ducado.
Desses livros que são ilhas
talvez filhas,
que foram auroras
e agora crepúsculos,
ergui minha morada.

Os livros são minha água,
minhas noites de velho,
minhas notas de pele gasta
do tempo-grafite,
são meu reino e casa,
são minha gênese e legado.

Vê essas altas torres,
antes de Quixote, meus moinhos
de pensamento?
Vê meus olhos cobertos pelo tempo,
meu corpo, embolorado pergaminho,
feito das páginas de velhos livros,
magias tão antigas,
que atravessam o litoral,
ganham o mar e seus navios
aonde meus braços cansados
não podem alcançar?

Não sei mais quem é o velho,
se meu rosto, meu desejo,
ou a biblioteca, a letra, a frase.
Entre as folhas e as linhas, as minhas
vão ficando murchas e agudas,
assim igual a estes livros antigos
que recito atenciosamente
na esperança de guardar
o que ainda falta ir à água eterna,
este derradeiro encanto que murmuro
(que às vezes surpreendo em maresia):
a memória.

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